Por tamyres.matos

Rio - Perrengue! Talvez não exista outra palavra no dicionário carioquês que resuma com tanta exatidão a odisseia dos usuários de transporte público durante a madrugada. Com o metrô, os trens e as barcas fora de operação, na Região Metropolitana do Rio só resta recorrer aos ônibus, mas a espera pode passar de uma hora. A equipe do DIA foi conferir de perto, na noite de quarta-feira e na madrugada de quinta, o calvário dessa galera. Gente que consegue sorrir e parece já ter se acostumado a enfrentar as dificuldades na hora de voltar pra casa.

A diarista Eni Lindolfo, de 48 anos, se esforçou para pegar o último trem para Japeri (22h50). Ameaçou uma corrida, mas… não deu. Aí citou a canção ‘Trem das Onze’: “Não posso ficar nem mais um minuto com você”. Moradora de Mesquita, seguiu rapidamente para o ponto de ônibus. Chegando lá: “Ué, cadê?”. O ponto tinha trocado de lugar, mas a nova parada era perto. “Ah, não tem problema, não. Dá para chegar em casa rápido (uma hora e meia). Minha nora é que sofre. Ela tem que estar às 7h no trabalho, em Copacabana. Tem que sair de casa às 3h25 todo dia”, contou, já enxotando o repórter: “Menino, cuidado! Vai embora! Isso aqui é perigoso para você”.

Passageiros fazem fila para embarcar nos ônibus em frente à Central do BrasilFernando Souza / Agência O Dia

Perto dali, na Praça 15, o programador Elias Valle, 27, precisou dar um pique de 100 metros rasos para não perder a última barca para Niterói (às 23h30). Perguntado se o serviço deveria funcionar durante a noite, ele surpreendeu: “Seria até conveniente, mas não faz tanta falta, não. Tem o 100 (linha operada pela empresa Mauá) que sai aqui pertinho. Tem sempre um no ponto. Não dá pra reclamar”.

Já Orion Oliveira, 39, prestador de serviços de informática, perdeu o último metrô na estação Cinelândia (meia-noite). Acostumado a trabalhar de madrugada por toda a Região Metropolitana, ele coleciona histórias e diz que é normal esperar por mais de uma hora pelo ônibus.

“Uma vez fiz um trabalho na Ilha que só terminou por volta das 3h. Aí, rapaz, só tinha ônibus clandestino. Que perrengue!”, contou.

Já eram 2h30 da manhã quando os amigos Samuel Santos, 26, Anderson Rodrigues, 31, e Fernando Esteves, 26, esperavam sentados o ônibus na Presidente Vargas. O trio mora em Bangu e trabalha na Tijuca, numa rede de restaurantes. Para chegar ao Centro, levam mais ou menos uma hora, entre a espera e o tempo da viagem da linha 415. Depois precisam de uma segunda condução, o 397 (Campo Grande), que costuma levar uns 30 minutos.

“Olha, até passa rápido, mas está sempre cheio. O problema é que ficar na rua pela madrugada é perigoso”, concluiu Samuel.

Rio Ônibus diz que colocará horários noturnos no site da instituição

A Rio Ônibus (associação das empresas de ônibus do Rio) informou que o serviço na madrugada tem linhas e horários definidos pela prefeitura. Os intervalos previstos são de hora em hora e, conforme norma da Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), os veículos devem sair dos pontos finais pelo menos a cada hora cheia.

Porém, em bairros da cidade onde há maior movimento, esse intervalo é menor. Para ajudar o usuário a se programar, os horários das linhas que fazem serviços noturnos estarão disponíveis no site da instituição.

Eni Lindolfo perdeu o último trem para Japeri e correu para pegar ônibus no terminal próximo à CentralFernando Souza / Agência O Dia

A Rio Ônibus também questionou o motivo de os outros modais (trens, metrô e barcas) não funcionarem na madrugada. A SMTR disse que o intervalo máximo de 60 minutos está previsto no edital de licitação. O órgão conta que deixar de operar serviço noturno é infração gravíssima, com multa no valor de R$ 1.251,43.

A regularidade dos ônibus é fiscalizada em operações da equipe da secretaria, assim como por GPS instalados nos veículos. A população também pode colaborar, denunciando irregularidades na central de teleatendimento da Prefeitura do Rio (1746).

Por e-mail, a SMTR respondeu que “seria desejável que todos os modais funcionassem 24 horas” mas que “essa é uma questão que deve ser tratada entre o poder concedente (governo estadual) e empresas”.

Adut quer informações de horários

O diretor da Associação dos Usuários de Transporte do Rio (Adut-RJ), Vagner Fia, acredita que 60 minutos é um intervalo “digno” para ônibus na madrugada. Mas lembra que algumas empresas tiram os veículos de circulação por conta própria. O especialista defende ainda que as barcas, o metrô e os trens funcionem sem interrupção. “Eles dizem que não tem demanda na madrugada, mas nunca apresentaram um estudo”, considerou Vagner.

No caso dos ônibus, a reivindicação é de que seja informado para o passageiro a hora que a condução vai passar. “O problema é que o secretário estadual de Transportes (Júlio Lopes) é omisso. Ele não tá nem aí para os usuários. Prefere defender o lucro dos empresários”, disse.

A Secretaria Estadual de Transportes foi procurada diversas vezes desde o início da semana, mas não respondeu as perguntas.

METRÔ DIZ SER INVIÁVEL ‘OPERAÇÃO 24h’

O Metrô-Rio informou que as madrugadas são destinadas ao trabalho de manutenção de vias e de trens. Diante disso, o funcionamento ininterrupto do sistema seria inviável.

A concessionária ainda ressalta que, dentre os maiores sistemas metroviários do mundo, apenas os de Nova York e Chicago funcionam ininterruptamente, sete dias por semana. “Em Nova York, por exemplo, este procedimento só é possível pelo fato de grande parte das linhas dispor de trilhos alternativos, que permitem a utilização de uma via enquanto outra está em manutenção”, diz a nota.

A concessionária CCR-Barcas explicou que o serviço na madrugada foi suprimido em comum acordo com o governo estadual. De acordo com a companhia, a demanda não alcança a quantidade mínima de passageiros para justificar a utilização do transporte de massa. De setembro a dezembro de 2010, foram transportados, em média, 95 passageiros por dia na linha Rio-Niterói, em 11 viagens entre meia-noite e 5h. Uma média de 8,6 usuários por viagem.

A SuperVia também contou que durante as madrugadas são realizados serviços de manutenção. No entanto, diz que realiza planejamentos especiais para o caso de grandes eventos das cidades.

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